TEM CRIANÇA QUE NUNCA VIU BATATA, SÓ CONHECE FRITA
O menino gordinho de oito anos olha para um chuchu e, questionado se sabe o nome do vegetal, diz: "Coco?". Essa é uma cena de "Muito Além do Peso", documentário sobre a obesidade infantil dirigido por Estela Renner, 39. O problema, segundo o IBGE, atinge um terço das crianças brasileiras. Ela conversou com a coluna sobre o filme, que estreia nos cinemas em 16 de novembro.
Marcelo Justo/Folhapress | ||
A cineasta Estela Renner, que fez o documentário "Além do Peso" |
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Folha - Por que esse tema?
Estela Renner - A gente estava na dúvida se faríamos sobre adoção ou sobre obesidade. Mas a obesidade está mais à mostra. Você vai à praia e vê, está em todos os lugares.
Em todos mesmo?
Sim. Fui para o meio da Amazônia, em casas de palafita, e as crianças não sabem o que é bacuri, uma fruta da região. Sabem o que é cupuaçu, mas bacuri não. Mas sabem o que é batata frita, ainda que não reconheçam uma batata.
O filme mostra crianças brasileiras e entrevistados estrangeiros. Como os escolheu?
As crianças são todas brasileiras e as famílias também. Minha dúvida era se funcionaria ouvir uma família brasileira falando e depois disso passar para uma fala do [chef inglês] Jaime Oliver. Mas, como as causas são universais, acho que funcionou.
Você foi recebida pelo Ministério da Saúde?
A gente tentou fazer contato. Não conseguimos. Existe preocupação, mas lá dentro é um complexo de engrenagens. Não adianta ter só um grupo preocupado. No filme, há um momento em que o ministro da Saúde dá o título de parceiro da saúde para o CEO do McDonald's. Isso pode?
Esse canal de diálogo pode ser aberto após a estreia?
A intenção é essa. A Marina Silva já tem uma cópia do filme, queremos mandar para a presidente Dilma. Seria incrível se tivéssemos força política, se o [Celso] Russomanno ou a Marta Suplicy fossem à pré-estreia [no dia 12, no auditório Ibirapuera]. É um problema de saúde. Não dá para falar mais que é culpa da criança nem só culpa da família. Imagina se 33% das crianças do Brasil estivessem com dengue. Como lidaríamos com o problema?
É um filme para crianças?
Estamos pleiteando censura livre. Mas é para adultos. O pai precisa ver primeiro para saber se é ou não para o seu filho. Meus três filhos viram.
As crianças do filme mudaram de hábitos alimentares depois de conversar com vocês?
Há duas semanas, falamos com os pais do menorzinho, de quatro anos, que mora perto de Manaus, e ficamos preocupados, porque ele engordou muito. Fomos até lá levar uma nutricionista. Estamos realmente preocupadas, ele corre riscos. Outra, de Brasília, fez uma aposta e parou de tomar refrigerante. Perdeu cinco quilos. Mas a maioria continua na mesma. Ou engordou um pouquinho. Já a equipe do filme mudou de hábitos: virou vegetariana ou passou a comer melhor.
via Folha de S.Paulo