Em um desastre de avião em 1968, as forças armadas dos Estados Unidos perderam uma bomba atômica no gelo ártico da Groenlândia. Mas este não foi um caso isolado. Acredita-se que até 50 ogivas nucleares tenham desaparecido durante a Guerra Fria, e nem todas elas estão em áreas desabitadas.
Naquele ano, ainda era meio cedo para nadar no Mediterrâneo. Mas no início de março de 1966, Manuel Fraga Iribarne, que na época era o ministro espanhol das Informações, e Biddle Duke, o embaixador norte-americano em Madri, juntamente com as respectivas famílias, mergulharam nas águas geladas da Costa Cálida. Jornalistas de todo o mundo reuniram-se na praia da pequena vila de Palomares para noticiar o banho de mar de primavera das duas famílias. Tal interesse seria surpreendente, se não fosse pelo fato de uma bomba de hidrogênio encontrar-se no fundo do oceano a apenas alguns quilômetros dali. Uma bomba dotada de uma potência explosiva mais de mil vezes superior a daquela que arrasou Hiroshima.
Apenas algumas semanas antes, em 17 de janeiro de 1966, o pior acidente com arma nuclear de toda a Guerra Fria tinha ocorrido na costa sudeste da Espanha. Durante uma manobra de abastecimento aéreo, um bombardeio B-52 e um avião-tanque KC-135 norte-americanos chocaram-se em pleno ar a uma altitude de 9.000 metros, e ambos os aviões explodiram em uma gigantesca bola de fogo sobre Palomares. Havia quatro bombas de hidrogênio no B-52. Uma caiu, intacta, em um campo de tomates perto da vila. Em duas outras o disparador não nuclear detonou, fazendo com que fragmentos e poeira de plutônio caíssem na área onde ocorreu o impacto. A quarta bomba caiu no mar, em algum lugar ao largo da costa, e ficou enterrada em vários metros de lodo. Mas onde exatamente ela caiu?
Nas semanas que se seguiram ao acidente, Palomares parecia o cenário de um filme sobre o apocalipse. Na terra, homens usando roupas de proteção e máscaras azuis manuseavam contadores Geiger para procurar indícios de radiação no solo. Os campos de cultivo foram interditados, e uma safra inteira de tomates apodreceu na plantação. O governo dos Estados Unidos escavou os campos e removeu 1.400 toneladas de terra.
O solo contaminado foi transportado para os Estados Unidos para ser eliminado. Dezenas de navios de guerra norte-americanos patrulharam a área litorânea na qual um pescador afirmou ter visto a bomba cair na água. A recuperação da bomba nuclear, que estava em uma profundidade de 800 metros, demorou 81 dias. Expressando perplexidade com os acontecimentos na Espanha, um artigo do diário alemão de Hamburgo, “Abendlatt”, disse o seguinte: “Mais do que qualquer cenário hipotético, este incidente deixa claro o que significa atualmente ‘viver com a bomba’”.
A bomba atômica perdida da Groenlândia
A possibilidade de haver uma bomba atômica perdida, e possivelmente danificada, em algum ponto do fundo do mar é realmente terrível. Atualmente a BBC está provocando um rebuliço com o relato da perda de uma bomba atômica norte-americana em 1968. Quando um bombardeiro norte-americano B-52 caiu no gelo ao largo da costa da Groenlândia, os explosivos convencionais das suas bombas detonaram, fazendo com que uma grande área ficasse contaminada com radiação de plutônio. Mas o que o governo dos Estados Unidos manteve em segredo durante décadas foi que o trabalho de reconstrução feito com os componentes das bombas encontrados no local revelou que faltava uma ogiva nuclear. Ao que parece ela perfurou o gelo e submergiu na Baía Estrela do Norte. A bomba jamais foi encontrada.
“A perda de bombas atômicas não é um acontecimento tão raro quanto seria de se esperar. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos confirmou a perda de 11 bombas atômicas”, afirma Otfried Nassauer, especialistas em armamentos nucleares e diretor do Centro de Informações sobre Segurança Transatlântica, em Berlim. “Acredita-se que até 50 armas nucleares em todo o mundo tenham sido perdidas durante a Guerra Fria”.
A maioria dessas armas extremamente perigosas ainda está no fundo do oceano. Em abril de 1989, um incêndio a bordo do submarino nuclear russo Komsomolez fez com que a embarcação afundasse em um local do Atlântico Norte cuja profundidade é de 1.700 metros, levando consigo dois torpedos e as suas ogivas nucleares.
Em 22 de maio de 1968, um outro submarino nuclear, o USS Scorpion, afundou em uma região de 3.300 metros de profundidade cerca de 320 milhas náuticas ao sul do arquipélago dos Açores. Havia duas ogivas nucleares a bordo. Devido às grandes profundidades, nem os armamentos nem os reatores nucleares desses submarinos foram recuperados.
“Flecha quebrada” absurda
Um número muito maior de bombas atômicas desapareceu em desastres de avião sobre o mar aberto. “No período inicial da Guerra Fria, as aeronaves não contavam com autonomia suficiente para atravessar o Oceano Atlântico sem reabastecimento”, explica Nassauer, especialista em armas nucleares. “Alguns bombardeiros colidiram com os aviões de abastecimento, e outros simplesmente não conseguiram fazer contato com estes aviões-tanques, e, após ficarem sem combustível, caíram no mar”.
Entre o final da década de 1950 e meados da de 1960, o período mais crítico da Guerra Fria, bombardeiros norte-americanos armados com bombas nucleares estavam no ar 24 horas por dia, 365 dias por ano. As quatro rotas principais destas aeronaves passavam sobre a Groenlândia, a Espanha e o Mediterrâneo, o Japão e o Alasca. A freqüência dos acidentes só diminuiu quando os bombardeiros tornaram-se capazes de atravessar o Atlântico ou o Pacífico sem reabastecimento.
Provavelmente a mais absurda “flecha quebrada” (“broken arrow”, o código norte-americano para acidentes envolvendo armas nucleares) ocorreu em 5 de dezembro de 1965, a bordo do USS Ticonderoga. O porta-aviões ia do Vietnã para Yokosuka, no Japão, quando um caça-bombardeiro que saía de um dos gigantescos elevadores que transportam as aeronaves do hangar interno ao convés da embarcação simplesmente mergulhou no mar. O piloto, o avião e a bomba nuclear que estava a bordo afundaram a uma profundidade de cinco quilômetros e jamais foram encontrados.
Esse incidente também foi mantido em segredo durante vários, anos, em parte porque, quando foi finalmente divulgado publicamente em 1981, ele provou que os norte-americanos mantinham mesmo armas nucleares no Vietnã. O episódio revelou também que os Estados Unidos violaram um tratado com o Japão, segundo o qual os norte-americanos concordaram em não trazer nenhuma arma nuclear para o território japonês.
Fusíveis queimados
A maneira displicente como os Estados Unidos lidam com os seus brinquedos mais perigosos não se limita a países estrangeiros. Na verdade, sete da 11 ogivas nucleares que estão oficialmente desaparecidas foram perdidas em território dos Estados Unidos. Em 5 de fevereiro de 1958, o piloto de bombardeiro Howard Richardson teve que lançar para fora da aeronave a bomba de hidrogênio que levava após ter se chocado com um avião de caça. A seguir, a bomba desapareceu nas águas rasas de Wassaw Sound, a cerca de 20 quilômetros de Savannah, na Geórgia, uma cidade de 100 mil habitantes. Richardson, um piloto experiente, mal conseguiu aterrissar a sua aeronave na pista próxima da Base de Hunter, do Exército dos Estados Unidos.
A tripulação do B-52 que explodiu em 24 de janeiro de 1961 devido a um sistema de combustível defeituoso teve menos sorte. Antes da aeronave partir-se, os homens conseguiram lançar para fora a carga perigosa. Uma das duas bombas de hidrogênio caiu de pára-quedas, sobre uma árvore, mas a outra foi parar em uma área pantanosa perto da pequena cidade de Goldsboro, na Carolina do Norte, onde afundou no lodo até uma profundidade estimada em 50 metros. A bomba permanece até hoje lá. O local do acidente continua sendo uma zona militar restrita.
Mas o que tornou este incidente famoso foi a bomba que caiu na árvore. Cinco dos seus seis fusíveis projetados para impedir uma detonação falharam, e apenas o último evitou uma explosão nuclear. Após este quase desastre, os sistemas de segurança nas armas nucleares dos Estados Unidos foram revistos, e Washington pediu à União Soviética que fizesse o mesmo.
Terroristas poderiam encontrar uma bomba nuclear?
Até hoje, estes dois incidentes são um tópico de muita polêmica entre especialistas, oficiais militares, adeptos das teorias conspiratórias e cidadãos preocupados de Savannah e de Goldsboro. Será que as duas bombas ainda representam perigo para os moradores dessas cidades? “É muito improvável que as bombas que estão no fundo do oceano explodam”, diz Nassauer. “No entanto, talvez o risco seja maior no caso das bombas perdidas em terra. Mas praticamente não se sabe nada a respeito da probabilidade de tais bombas explodirem espontaneamente”.
Um temor bem diferente surgiu após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. O que aconteceria se terroristas adquirissem uma das bombas perdidas? Segundo Nassauer, este é um medo sem fundamente, já que nem as forças armadas, após utilizarem todos os meios de que dispõem, conseguiram recuperar as bombas. “Várias dessas armas estão em locais que ainda são completamente inacessíveis com os recursos disponíveis atualmente”, diz Nassauer. Os perigos reais residem na área em torno do local de um acidente, e entre eles está a possibilidade de explosão no momento do acidente e os efeitos da corrosão, que poderiam permitir o vazamento de radioatividade no decorrer das décadas.
Em Palomares, por exemplo, o pesadelo continua mais de quatro décadas depois. Depois do acidente essa cidadezinha sonolenta tornou-se parte da próspera indústria turística da região. Mas, em 2004, duas áreas contendo solo radioativo foram descobertas no local de futuros campos de golfe e hotéis de luxo. Estudos amplos do solo revelaram que outras áreas continuam contaminadas. O governo espanhol confiscou a terra afetada, e em 2009 tropas norte-americanas serão novamente enviadas para descontaminar a área. Mais de 40 anos após a primeira bomba ter caído em Palomares, milhares de toneladas de terra contaminada serão mais uma vez transportadas para os Estados Unidos.
Fonte: Der Spiegel
Muito bom artigo!
ResponderExcluirshow de bola o artigo, parabéns
ResponderExcluirValeu muito obrigado
Excluir"O governo espanhol confiscou a terra afetada, e em 2009 tropas norte-americanas serão novamente enviadas para descontaminar a área."
ResponderExcluiro artigo é velho entao
O artigo é atualíssimo pois as bombas ainda estão perdidas. A bomba perdida em solo americano em teoria ainda pode explodir. Note que o acidente de 1968 ainda causa contaminação por radiação. Note que as estimativas são de 50 Bombas perdidas eu contei aqui a historia de mais ou menos 20 e as outras?
Excluirqdo leio um artigo antigo pela primeira vez PARA MIM, ELE É NOVO... gostei das informações
ResponderExcluirValeu
ExcluirExcelente post! Coisa rara vinda do Ocioso. Mas tenho uma crítica pra fazer: O post ficou demais! Mas que layout é esse do site man? Troca isso, pois chega doer as vistas de gritante está. hehehehe
ResponderExcluirNão leve a mal, é só uma dica. =D
Obrigado! Valeu pelo comentario
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