sábado, 2 de agosto de 2014

O Incendio da Volkswagen



1970 foi ano inesquecível para a Volkswagen do Brasil. Não devido ao lançamento da Variant e do TL, além do Karmann-Guia TC e do Fusca 1.5, o Fuscão. Também não pela festa do milionésimo veículo fabricado no País, muito menos por responder sozinha por 56% de toda produção nacional de veículos daquele ano. Nem pela primeira exportação.
Mas sim pelo que ocorreu na sexta-feira 18 de dezembro, a sete dias do natal e a quatro das férias coletivas: um incêndio de proporções monumentais destruiu completamente a ala 13, área de pintura recém-inaugurada, da fábrica Anchieta. A lembrança não é apenas de uma verdadeira tragédia, mas principalmente da espetacular rea­­ção da Volkswagen.

O incêndio. O fogo começou por volta de 8 da manhã daquele dia 18 e fugiu rapidamente ao controle. A ala 13 era basicamente um edifício de três andares: no primeiro, estoque de materiais para tapeçaria como espumas e borrachas. No segundo uma parte do sistema de pintura e estoque de pneus e, no terceiro, as cabinas de pintura. Era um imponente edifício com cerca de 30 mil m2.
A ala 13 era o grande orgulho e diferencial da VW. Com ela a Anchieta tornara-se a primeira fábrica de automóveis na América Latina a contar com sistema de pintura em eletroforese, trazido da Alemanha – ferrugem e pintura pouco uniforme não tinham mais vez. Era um tremendo argumento de venda dos VW frente à concorrência. O sistema levou cinco anos para ser instalado e custou muitos milhões de dólares. Estava 100% operante havia apenas um mês.

A hipótese mais aceita para a causa do incêndio foi uma fagulha, gerada por equipamento de solda, furadeira ou curto-circuito. Fato é que a fagulha atingiu material da tapeçaria e se alastrou para um tambor de solvente. A brigada de incêndio da VW conseguiu apagar o fogo na tapeçaria, mas logo perdeu o controle quando este chegou ao sistema de pintura.
A partir daí o fogo passou a consumir tudo: espumas, borrachas, tintas, solventes, pneus. Chegou logo aos dois tambores com 240 mil litros de tinta no terceiro andar. O que se viu então foi um dos maiores incêndios da história do País: formou-se uma gigantesca e descomunal nuvem de fumaça negra, visível a 20 quilômetros de distância, no bairro do Ipiranga. Encobriu praticamente o ABC inteiro e fez com que os jatos d’água dos bombeiros parecessem míseros filetes.
A violência do incêndio foi tamanha que por volta de 1 da tarde a ala 13 já havia desmoronado por completo. Nem assim o fogo parou, alimentado pelos químicos da pintura e pneus. Foi totalmente debelado apenas na segunda-feira, 21, ainda que controlado 24 horas após seu início graças à forte chuva que caiu na região na noite do sábado.

Grupamentos de bombeiros de todo ABC, Litoral e da Capital, alem das brigadas de incêndio de todas as montadoras concorrentes como Ford, GM, e até da refinaria da Petrobras de Mauá lutaram quase que em vão contra as chamas. Vítima fatal apenas uma, bombeiro da Karmann-Guia. Quase todos os 23 mil funcionários da época escaparam ilesos, exceto cerca de duzentos intoxicados pela fumaça – em seu socorro foram utilizadas Kombi Ambulância 0 km que aguardavam no pátio envio às concessionárias.

A repercussão. Os jornais manchetearam largamente o incêndio. Boatos circularam imediatamente: a VW demitiria boa parte dos 23 mil funcionários – 2 mil deles recém-contratados –, fornecedores perderiam pedidos e também demitiriam, faltaria carro VW nas revendas estimulando o ágio, a recuperação seria difícil e lenta, a companhia perderia a liderança de mercado, a situação na VW era gravíssima. Era, de fato.
Mas logo ao apagar da última labareda o presidente Rudolf Leiding, sucessor de Friederich Schultz-Wenk, montou uma verdadeira estratégia de guerra para recuperar a fábrica, que produzia então 1,2 mil unidades ao dia. A primeira medida foi antecipar as férias coletivas da quarta-feira, 23 para a segunda-feira, 21. A segunda: pensar em como pintar seus carros com a ala 13 reduzida a escombros.
O desafio de Leiding estava ligado mais à recuperação produtiva do que financeira, além da imagem, pois havia seguro. Mas ele sabia que um abalo produtivo sério na VW significaria, naquele momento, um abalo em toda economia brasileira.

Leiding contou com o apoio de Kurt Lotz, presidente mundial da VW, e mais dois executivos da matriz para bolar o plano de recuperação. Este previra volta ao trabalho em janeiro, com 500 carros/dia, 800/dia em maio e retorno aos 1,2 mil/dia em agosto.
De forma inteligente e criativa a VW buscou, onde podia, saídas para contornar a perda completa do sistema de pintura. Internamente religou as máquinas antigas, utilizadas antes da chegada do maquinário alemão e recém-abandonas, além das instalações da Vemag, sua desde 1968. Entretanto não era o suficiente. A VW, então, partiu para saída externa: procurou montadoras com sobra de capacidade na pintura. Achou e contratou Brasinca, Chrysler, Karmann-Guia e Toyota, todas nas redondezas. A Brazul, antes acostumada a transportar veículos pron­tos, passou a fazer o leva-e-traz de carroçarias a pintar e pintadas.
Curiosamente em 1971 a Toyota fabri­cava em São Bernardo do Campo, SP, apenas o utilitário Bandeirante. Estava à beira da falência – a matriz japonesa pensava seriamente em fechar-lhe as portas. Mas passou a pintar o primer em dez a vinte Fusca por dia, o que lhe garantiu ótimo lucro no ano e a tremenda sobrevida da unidade. Ou seja: por uma via absolutamente torta a VW foi responsável por manter viva a Toyota no Brasil.
A estratégia de Leiding logo se mostrou perfeita: em janeiro a Anchieta fez 800 carros/dia, 1 mil em fevereiro, 1,1 mil em março e conseguiu, mesmo com os escombros à vista, retomar as 1,2 mil/dia ainda em abril. Lotz também foi decisivo para devolver a Anchieta à normalidade: ordenou que um novo sistema de pintura de eletroforese, que a Dürr fazia na Alemanha para a planta de Wolfsburg, fosse destinado à fábrica brasileira.
Com isso a VW fechou 1971 com quase 300 mil unidades produzidas, 27% acima do total de 1970. Por isso quem vê a frieza de suas estatísticas anuais de produção jamais imagina que a VW viveu nestes dois anos uma das maiores crises de sua história – e que soube superá-la como ninguém.

Para a Audi. Leiding deixou a presidência naquele mesmo 1971, promovido a presidente da Audi, e retornou à Alemanha.
Levou consigo a história e a glória de salvar a fábrica e seu futuro. Hoje estas recordações e aprendizados estão, até dentro da Anchieta, tristemente reduzidos a cinzas, assim como o próprio incêndio que os gerou.

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Marketing também apagou o incêndio
O esforço da VW em recuperar-se do incêndio não foi só na área produtiva: o marketing também encampou a batalha. Para combater boatos de que estaria mortalmente ferida a VW usou do mesmo artifício: passou a vazar seus próprios boatos, como o de que a companhia recebera o cheque de maior valor emitido até então na história do País, relativo ao pagamento do seguro.
Também usou a tragédia a seu favor ao colocar no incêndio a culpa pelo fim da produção do VW 1.600, vulgo Zé-do-Caixão, tremendo fiasco de vendas lançado três anos antes. E, quando já estava recuperada industrial mas não mercadologicamente, deu tacada de mestre ao apresentar, ainda em 1971, o primeiro protótipo do esportivo SP2, que seria produzido somente mais de um ano após. Era a prova que o mercado precisava de que a gigante VW ainda era a maior e que mantivera-se inabalável.

Via Auto data
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